sexta-feira, 17 de junho de 2005

Padre Rogério

A propósito desta conversa, lembrei-me do Padre Roger. Foi um padre que conheci quando comecei a ir para a Serra Algarvia com o MSV, há 4 anos atrás. Um missionário belga, que passou muitos anos em Moçambique, e terminou os seus anos a servir o povo de Martinlongo e Vaqueiros. Aliás, quando lhe foi diagnosticado um cancro grave, preferiu ficar junto deste povo, onde hoje está sepultado, do que ir tratar-se (com mais hipótese de sucesso, presume-se) para a Bélgica. Um exemplo para todos os que o conheceram.
Nos vários fins-de-semana que fui a Martinlongo, no já longínquo 2001, com a Madalena, o Diogo e o Bruno, tivemos o privilégio de partilhar as refeições com ele e de ouvir as suas histórias, sobretudo sobre África, que não raro me deixavam no limite da comoção.
Uma das histórias que não vou esquecer começou em Moçambique. O Pe. Roger estava lá em missão durante a guerra colonial e a dada altura não conteve mais a indignação e falou contra o regime da metrópole. Quando se soube, foi preso pela PIDE, e depois de esperar várias horas, sem comer nem beber, foi interrogado por um agente. Cheio de sede, pediu se lhe podia dar uma cerveja, e claro que isso lhe foi recusado - um dos métodos em voga nesse tempo era precisamente a tortura da sede. O episódio terminou com a expulsão do Pe. Roger de Moçambique; depois passou alguns anos no Malawi, até ser atacado pela malária.
Passados uns bons anos, Portugal já era uma democracia e o Pe. Roger era pároco na serra algarvia. Um dia, em Faro, uma senhora vai ter com ele. Era a mulher do agente da PIDE que o tinha interrogado: "sabe, padre, o meu marido já o tem visto aqui na rua e queria muito falar-lhe e pedir-lhe desculpa pelo que lhe fez, mas tem muita vergonha de ir ter consigo." E convidou-o para ir lá a casa um dia jantar, sem o marido saber.
Nesse dia, o Pe. Roger toca à porta e o ex-agente vem abrir. Fica sem palavras. E o Padre mostra-lhe umas cervejas que tinha levado: "Trouxe para todos! Agora dá cá um abraço!"
E aqui está uma das coisas mais profundas (e difíceis!) de ser cristão: saber perdoar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Só um comentário: todos diferentes, todos iguais. Tia Dáda

méri disse...

Impressionante. Mesmo.
E eis que o Pe. Roger continua sempre a ser um exemplo e a deixar a sua marca. Infelizmente nunca o conheci, mas sei tanto sobre o exemplo de pessoa e de vida que foi, é e que deixou.
Obrigada por este post.

Anónimo disse...

tiago, tiago... quanto este post fez lembrar...